Casa de Sil de Polaris

Porque não se fica velho duas vezes !!!

Nome:
Local: Brazil

Eu sou proprietária dessa casinha magnífica que tem sofrido reformas ... ^^

sexta-feira, 16 de abril de 2004

Eu tinha um sítio de férias em minha infância. Um sítio que ainda existe, mas não existe mais como era antes. Uma peninha, mas enraivecedor também pois esfolá-lo não era necessário em absoluto, principalmente com toda falta de respeito com que isso foi feito ! Eu viajava para aquele sítio com minha família, todo ano, uma vez por ano, em férias de julho, para visitar minha tia-avó, irmã única ainda viva de minha avó materna. Ela é irmã mais velha de minha avó e passou muitos maus-bocados nesses últimos anos, mas está resistindo muito bem, sendo o mais ativa possível em seu sítio. Nós entrávamos por uma rodovia antiga, depois de passar por duas horas de viagem pela rodovia principal, entrando em zona canavieira e sentindo um cheiro forte de restilho. Terceira curva à direita depois de quinhentos metros. Era onde tomávamos uma estrada estreita de terra por entre um canavial verdinho, que cortava braços, dedinhos, rostos e tudo o que pudesse tocar de nós quando estalasse pela janela de nosso carro como um mini-chicote improvisado pela velocidade de descida até uma mangueira soberba à nossa direita, vizinha de um laranjal à esquerda. Era uma descida íngreme de terra batida misturada com pedras soltas até um canto de terreiro de minha tia-avó, onde ela recebia suas visitas, feliz e sorridente, seguida pela filha, abraçando e beijando minha avó em primeiro lugar sem exceção. Seguiam-se cumprimentos, com todos olhando se não haviam esquecido de ninguém antes de retirar malas cheias de nosso carro, um corcel branco de traseira reta, cujo banco de trás virava cama para gato e cujo capô virava poleiro de galinhas magricelas muito intrometidas que vinham ciscar em sua pintura deixando tudo em petição de miséria muito levianamente.

Não existe bicho de sítio mais estúpido que galinha. Eu sentia muita raiva delas por cacarejarem loucamente quando botavam ovos em seus ninhos. Eu achava que elas colocavam seus filhinhos em perigo porque minha tia nunca deixava de ir para lá em seguida para recolher aqueles ovos. Não era à toa que eu adorava bombardear aquelas criaturas penosas com cascas chupadas pesadas vindas de copas de jabuticabeiras de um terreiro onde aquelas penosas irritantes ficavam ciscando. Cavoquei muito por aquele terreiro. Fazia montinhos, não muito grandes porque não queriam que eu transformasse aquele terreiro de minha tia em um queijo suíço, para fazer bolinhos de terra. Eu não estava brincando de casinha quando confeccionava aqueles bolinhos. Meus bolinhos eram minha munição. Eu mirava galinhas, pondo toda raiva que sentia por aqueles bichos em cada arremesso. Fui proibida de fazer bolinhos de terra no terreiro quando minha mãe ouviu minha tia dizer para mim que era para eu não bombardear suas galinhas senão elas não iriam mais botar ovos e eu poderia matá-las. Eu não sabia o que significava matar. Não pela minha mão. Mas não tinha dó ao ver minha tia matar essas mesmas galinhas. Minha porção sanguinária adorava vê-la fazê-lo porque eu achava uma delícia ouvir aquele CRACK de pescoço partindo em uma torção completa feita à mão. Seu resultado era almoço ou jantar muito deliciosos de carne de galinha assada ou frita, com maionese e salada. Eu devia concordar em meu íntimo infantil que era um final digno para um bicho tão estúpido, que parecia viver pedindo pedradas pelo terreiro inteiro. Aquele sítio era muito simples, morada de gente pobre, mas era um lugar delicioso para mim, onde havia muitos prazeres.

Sua casa tinha sete cômodos. Todos mais ou menos de tamanho igual. Não tenho lembranças dignas de nota de nenhum deles, a não ser de uma sala que virava nosso quarto quando dormíamos ali, em visita de férias. Era uma delícia dormir naquelas camas fartas de lençóis limpos muito gostosos, amontoados em camadas pesadas pelo chão. Eu gostava especialmente de um enfeite de parede, de veludo negro, com motivos japoneses bordados com linha brilhante, parecido com uma bandeirola que revoava ao vento toda vez que uma rajada entrava pela porta que dava para uma estradinha de sítio vizinho. Isso fez-me descobrir que ali era esconderijo de pernilongo de dia. Eu gostava de bater aquela bandeirola para fazer pernilongos voarem para eu poder caçá-los e transformá-los em manchinhas vermelhas em uma parede. Meu prazer maior naquele sítio era descer pela estrada que ficava atrás dessa casa e seguia até um rio, que tinha cachoeira e era de fundo pedroso. Aquela água estava fresquinha e geladinha sempre porque seu curso passava por baixo de um telhado de ramagem de árvore, graças ao relevo ter feito árvores vizinhas de suas margens crescerem tortas para equilibrarem-se em um declive e procurarem pela luz que cada uma escondia de sua companheira. Eu descia pela estrada atormentando muitas "dorme-dorme", plantinhas rasteiras que fechavam seus ramos em copas quando eram tocadas pelas minhas mãozinhas. Era um sistema de defesa. Abriam-se pouco depois quando minhas mãos tinham ido embora. Mas eu adorava ver aquele fechamento. Meus olhos brilhavam enquanto eu descia por aquela estrada, cutucando "dorme-dorme" e vendo o que tinha de fruta pelo pomar que descia pela estrada à sua esquerda, muito cheio e muito verde.

Meu avô adorava levar-me para adormecer essas plantinhas. ^^ Eu fantasiava aventuras de piratas contrabandistas debaixo de uma ponte larga de rio, feita com toras consideráveis. Recolhia gravetos pelo pomar de laranjeiras e limoeiros para levar para minha tia alimentar seu forno à lenha. Surrava qualquer galinha estúpida que viesse xeretar pelo chão que eu revolvia, afastando folhas secas para pegar gravetos com outros gravetos. Amo forno à lenha ! Principalmente aquele forno à lenha de pedra vermelha de cozinha de sítio que existe em minhas lembranças apenas atualmente. Eu corria atrás daquelas galinhas quando seu có có có incessante exorbitava minha paciência para vê-las correr desesperadamente. Aquelas cristas vermelhas que ficavam pulando a cada mexer de cabeça deixavam-me doidinha de raiva. Touros são provocados por capas vermelhas. Eu era provocada por cristas vermelhas. ^^ Tinha um areal branco muito fofo e muito generoso em densidade pela estrada de pasto. Eu fazia muitos bolinhos de terra ali, aproveitando água de um poço que ficava ali pertinho. Uma molhadinha a mais no bolinho pronto, com uma camada extra de areia por cima como quem polvilhasse açúcar, deixava meus bolinhos muito mais duros. Não tinha galinha por ali. Eu não podia desperdiçar munição tão caprichada. Podia mirar um mourão de cerca. Ou vacas. Mas mourão não parecia legal e vacas eram boazinhas porque davam leite quentinho direto em um copo se eu quisesse. Porém tinha um chiqueiro logo ali ao lado dando sopa, bem à minha frente, cheio de porcos na lama e no pó, comigo cheia de lama e pó nas mãos, então à lama o que era lama e ao pó o que era pó. (evil) ^^ Era legal ouvir todos aqueles óincs, óincs, óincs até eu ser contida.

Tardes acaloradas eram sinônimo de garapa geladinha moída na hora, com abacaxi ou limão temperando, pura em maioria de vezes, com direito à brincar de escorregar pilha de espigas de milho abaixo no alto do monte do estoque do paiol grande se fosse época de colheita e não tivesse cria de gato ou cria de peru escondida por ali. Tudo isto descalça, pisando pela terra dura geladinha, onde eu podia caçar minhocas.