Casa de Sil de Polaris

Porque não se fica velho duas vezes !!!

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Local: Brazil

Eu sou proprietária dessa casinha magnífica que tem sofrido reformas ... ^^

quarta-feira, 23 de junho de 2004

Velhinhos precisam ser respeitados, mesmo que tenham aquelas manias que se observa e observa e observa mas sem encontrar um porquê prático para que elas existam. Ou mesmo um pretexto razoável. Nunca se deve atender um velhinho de qualquer maneira. Se deve usar de dignidade e educação, nunca por obrigação, sempre por direito dele, ao menos por respeito, do começo ao fim, sem desculpas e justificativas para tomar atitudes inferiores a esta.

Passei meia tarde cuidando de interesses de um velhinho uma vez, não porque precisasse ser feito daquela maneira mas porque ele queria fazer daquela maneira. Com seus pertences. Ele tinha direito e privilégio. Foi cansativo, mas cuidei dele como devido.

Uma outra ocasião não foi tão feliz, muito menos tão trabalhosa. Um comentário estúpído que eu fiz, mais por impulso que por maldade, dito mais por minha língua que por mim, foi de uma grosseria hedionda. Tudo por causa de um vestido.

Estive olhando uma vitrine de vestidos de baile com meu namorado. Ele indicou um daqueles vestidos para saber minha opinião e eu respondi que "era roupa de velha", com uma velhinha ao lado, passos à esquerda, vendo aquela vitrine também. Eu não vi aquela senhora. Respondi por impulso desleixado. Ela pareceu não ouvir. Gelei quando vi quem estava ali. Não fiz por mal mas não tive respeito para com aquela senhora. Tomara que não tenha ouvido nadinha mesmo.

Tudo o que eu precisava dizer, sem ser tão lavadeira favelada, era "isto é roupa para senhoras mais velhas que eu". Cada impulso imbecil de uma sinceridade grosseira que eu tenho de vez em quando, viu ! Merecia uma surra de relho de couro de boi por horas !

Fui mal educada esta manhã também. Um senhor veio pedir minha ajuda, muito constrangido, pedindo que eu deixasse que ele entrasse à minha frente em uma fila de posto de saúde, que tem limite de senha, porque ele não havia conseguido nada no dia anterior e parecia não conseguir nada de manhã também porque já era muito tarde. Respondi com educação, um pouco impaciente, que não poderia atendê-lo porque aquele lugar livre à minha frente era de duas pessoas que haviam saído um instante e eu não poderia passá-lo adiante de tantas pessoas atrás de mim. Ele agradeceu educadamente pela minha resposta e saiu rapidamente, não dando qualquer chance de eu explicar como ele deveria proceder para não ter prejuízo por uma terceira vez. Perdi-o pela multidão. Eu representava uma pessoa. Tinha senha limitada. Eu poderia prejudicar essa pessoa se fizesse o que ele pedira. Não tinha direito de colocá-lo adiante de outras muitas pessoas também. Agi certo, mas sei como funciona o sistema de saúde de nosso país então ter agido certo não fez com que eu deixasse de sentir-me como a última das baratas. Ele era um senhor idoso, com idade variando entre as idades de meu avô e de meu pai, aparentando ser mais forte e sadio que eles inclusive. Mas eu tinha recusado um pedido constrangido feito com educação. Fiquei culpando a mim mesma daí em diante por não ter sido capaz de fazer melhor.

Um senhor italiano conversou comigo mais tarde enquanto aguardávamos nossa vez de ser chamados. Não tinha sotaque. Parecia ser brasileiro por nascimento. Contou que havia ficado viúvo há pouco tempo. Disse que havia feito uma cirurgia por causa de um aneurisma, com suas duas pernas prejudicadas, não podendo ficar de pé por muito tempo, mesmo apoiado em uma bengala. Morava com seu filho e sua nora. Tinha perdido uma filha, que morrera aos treze anos de uma enfermidade que é curável nos dias de hoje. Disse que ela era linda, muito parecida comigo, mas não agradeci pelo elogio camuflado para não interrompê-lo porque ele precisava e queria falar de si. Mencionou sua esposa morta várias vezes. Vi lágrimas teimando em querer correr com ele teimando em não deixá-las correr. Comecei a lacrimejar também. Ele contou que sua esposa havia morrido em um hospital, onde ele não julgava que ela tivesse sido atendida como deveria, apesar de ele pagar bastante pelo plano de saúde. Disse adorar esse país, que é um país muito rico em vários sentidos, mas tem uma burocracia terrível, a qual já não era pequena quando ele naturalizou-se brasileiro, chamado para cá pelo pai. Ele viveu em três países: Itália, Estados Unidos, Brasil. Disse que aqui era muito bom, melhor que em muitos lugares, mas tinha uma burocracia terrível como ele nunca vira em outro lugar. Nem a guerra, onde lutou, o fez passar tantos sacrifícios.

Pensei imediatamente: "Deuses ! O que um homem que lutou em uma guerra, onde deve ter passado horrores, não deve ter passado graças à nossa burocracia para dizer isso !" Ele disse que havia sido sargento durante a guerra. Pensei, sem perguntar, que ele poderia muito bem ter lutado na Batalha de Monte Castelo. O que mais doía nele era estar viúvo. Desejei-lhe que sua saudade triste se transformasse em uma saudade gostosa, sem fazê-lo sofrer ao lembrar de sua esposa, conforme tempo fosse passando. Ele compreendeu, dizendo obrigado. Era hora de cada um ir para seu setor. Desejei-lhe alegria e consolo novamente, dizendo que esperava que seus assuntos fossem resolvidos com sucesso e oferecendo meu muito obrigado a ele por ele ter lutado por nós na guerra. Saí, torcendo ardentemente para que ele fosse atendido por uma funcionária competente e educada. Fui verificar mais tarde. Minha torcida foi atendida. Fui dar uma palavrinha com ele para saber como tudo estava correndo. Ele estava esperançoso e satisfeito, vendo tudo correr bem. Desejei-lhe sucesso. Ele agradeceu, desejando sucesso para mim também. Dei uma olhadinha final quando terminei o que eu tinha de fazer. Ele continuava sendo muito bem atendido, com resultados muito bons. Despedi-me carinhosamente dele e fui correspondida. Saí levando sua tristeza comigo.

Era uma tristeza tão forte e tão sincera que senti-a pelo ar e tomei posse dela também. Senti aquela tristeza daquele velhinho como se fosse minha tristeza. Poucas vezes vi uma tristeza tão poderosa que poderia ser tocada com minha mão.

Senhor, não sei seu nome, assim como você não ficou sabendo meu nome. Mas senti sua tristeza, o que você deve ter percebido em meus olhos. Que eu possa ter-lhe trazido um bem pequenino ao menos por partilhar dela ao seu lado um pouquinho. Que você ainda colha muitas bençãos.

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