Casa de Sil de Polaris

Porque não se fica velho duas vezes !!!

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Local: Brazil

Eu sou proprietária dessa casinha magnífica que tem sofrido reformas ... ^^

quinta-feira, 7 de setembro de 2006

Queria subir para mexer em meu quarto sábado à noite, seis meses atrás, quando minha mãe atendeu um telefonema. Ouvi-a falar, adivinhando que era minha avó, pela forma familiar como minha mãe respondeu. Parei em nossa sala, esperando que aquela conversa terminasse para saber se tudo estava bem. Meu avô tinha ido ao hospital, com mal-estar, onde tomara soro, voltando para casa após melhorar de saúde. Eu tinha falado com ele naquela manhã, abraçando-o gostosamente assim que cheguei e almoçando com ele, fazendo um prato de quitutes gostosos para meu avô. Dei-lhe seu remédio, que ele não queria tomar, insistindo com ele sobre ser para seu bem, seguindo ordem médica, o que ele aceitou. Fiquei calma e feliz quando minha mãe disse para mim que ele estava bem. Segui com meu plano de fazer o que precisasse e quisesse em casa, passando aquele fim de semana com minha mãe, meu pai, minha sobrinha, meu sobrinho. Tudo havia corrido bem naquele sábado, para cada um de nós, sem exceção.

Tudo começou a piorar domingo à noite, pouco antes de meia-noite, quando eu estava ajudando minha mãe a fechar tudo para subirmos para dormir. Minha tia preferida telefonou naquela hora, pedindo ajuda de minha mãe para levar meu avô ao hospital, pois ele havia piorado fazia algum tempo, pouco depois de deitar-se com minha avó para dormir. Corri para trocar de roupa em segundos e desci para sair com minha mãe, fazendo o que era preciso pela casa e por aqueles que ficaram adormecidos ali. Fomos ao quarto de meus avós assim que chegamos onde vi meu avô fraco como um filhote de passarinho, sem conseguir respirar como deveria. Atendi minha avó e peguei uma calça comprida para ele enquanto minha mãe e minha tia ajudavam-no a sentar-se para vestir-se para ir ao hospital. Vesti-o com sua calça comprida e minha mãe vestiu-lhe uma camisa. Ele mal conseguia andar porque mal conseguia ficar em pé porque mal conseguia sentar-se sozinho. Minha avó, minha mãe, minha tia cuidaram dele.

Uma fraqueza imensa tinha tomado conta de meu avô, que estava surpreso com nossa atitude de levantá-lo e vesti-lo para levá-lo para um hospital porque ele havia deitado para dormir e nada mais. Não ouvi meu avô fazer uma queixa sequer, mas perguntas apenas, pois queria entender o que estava acontecendo. Fui ordenada para que telefonasse para um serviço de ambulância porque ele não iria conseguir entrar em um carro comum. Fiz de tudo para conseguir cumprir essa tarefa porque seria o que de melhor poderíamos fazer pelo meu avô, que teria como receber socorro médico pelo caminho, além de que havia três mulheres adultas - esposa e filhas - preparando meu avô para sair e o que havia de mais respeitoso de minha parte para cuidar dele era fazer aquele telefonema. Fiz contato e pedi socorro, conversando sobre todo histórico médico de meu avô para municiar quem iria cuidar dele em um carro de resgate e socorro. Confirmei que havia uma ambulância sendo enviada e fui ver meu avô novamente.

Ele estava vindo pelo corredor interno, apoiado em minha mãe e em minha tia, que sentaram-no em uma cadeira. Foi naquela cadeira que encontrei-o sentado, levantando-se com facilidade e por si mesmo, quando cheguei à sua casa sábado de manhã, indo abraçá-lo e beijá-lo, chamando-o de Don Vô como eu gostava de fazer. Ele mal podia mexer-se sozinho sobre ela naquela hora, mal conseguindo manter suas costas retas, inclinando-se para frente um pouquinho. Abaixei-me diante dele, como faço com meus sobrinhos, ficando à sua altura e olhando para ele para falar com ele para que ele pudesse ouvir-me sem que sua surdez impedisse. Disse-lhe: "Não precisa ficar assustado, vovô: tudo ficará bem." Vi em seus olhos claros que ele estava ouvindo e vendo, mas seus olhos estavam cheios de cansaço e surpresa. Tudo o que ele queria era descansar, como dissera para mim naquele sábado de tarde, após almoçar e tomar seu remédio dado por mim, ao responder minha pergunta dizendo que não estava sentindo dor.

Meu avô foi atendido pelos médicos, sendo acomodado em uma maca para ir de carro de resgate ao hospital, seguido de perto de carro por minha mãe e minha tia. Eu ficaria com minha avó em sua casa para que ela não ficasse sozinha àquela hora com todo aquele terror acontecendo. Conversei bastante com um médico ao portão, contando tudo e explicando tudo o que ele precisaria saber de histórico médico de meu avô. Olhei para meu avô em sua cama de maca dentro daquele carro de resgate, adormecido mas respirando melhor graças à mascara de oxigênio. Senti que tudo o que ele queria realmente era descansar e mandei-lhe um beijo falando-lhe baixinho à distância para que ele ficasse bem e repousasse bastante, como eu fazia quando ia ver se ele estava dormindo bem, coberto e confortável, debruçando-me pela porta de seu quarto. Vi-o tranqüilo, olhando para ele de pé naquela calçada, ao lado de minha avó e de uma prima, vendo seu carro de resgate eclipsar-se ao dobrar uma esquina muito próxima.

Tinha de cuidar de minha avó então julguei melhor não conversar sobre meu avô a menos que ela quisesse, precisando falar por estar muito preocupada com ele. Ficamos esperando madrugada adentro, deitadas em camas de minha tia, aguardando por uma notícia. Fiz minha prece aos céus, pedindo pelo melhor possível para meu avô. Descobri como eu não sei pedir direito em prece pelo que quero quando campainha e telefone começaram a tocar com minhas tias procurando por mim para contar notícias e pedir papéis. Uma de minhas tias revelou-me o que tinha acontecido finalmente depois que toda aquela correria terrível terminou, comigo esperando sem querer aceitar o que ninguém esperava que acontecesse tão cedo embora todos esperassem que acontecesse: meu avô faleceu naquela madrugada após uma batalha médica em que fizeram de tudo por sua vida de acordo com minha mãe. Tias diferentes contaram sobre sua morte para minha avó e para mim. Uma sensação terrível de perda caiu sobre mim.

Era mentira. Tinha que ser mentira. Aquele pesadelo não poderia ser verdadeiro. Fiquei lutando com minha necessidade de chorar e minha necessidade de não chorar, uma por mim e uma por minha avó e por minha mãe. Meu sono não existia desde aquele telefonema de fim de domingo. Deixei minha avó com minha tia preferida, sua filha caçula, e fui para casa com minha mãe para tomar banho e vestir roupas melhores em lugar daqueles trapos em honra ao meu avô para seu funeral. Passei horas seguidas acordada, sem sono, chorando quando estava sozinha e não chorando quando tinha minha avó ou minha mãe ou uma de minhas tias por perto. Foram horas longas, de uma segunda-feira conturbada com chuva e sol como deus tinha vontade. Fui de carro ao velório, com minha mãe e meu pai, lutando contra meu choro e meu soluço para que eles não viessem em respeito ao coração de minha mãe, filha mais velha de meu avô. Meus pés fraquejaram quando pisei naquela calçada maldita de prédio de velório, lutando para não cair e não desmaiar porque meu corpo queria fazê-lo. Senti raiva de mim porque eu não poderia ser tão fraca assim, sendo neta priomogênita dele, e não tinha direito de falhar com ele daquela maneira, que fôra um homem valente à sua maneira como ele pôde ser, fazendo seu melhor. Entrei naquele lugar calmo mas muito triste, procurando pelo esquife de meu avô. Lutei contra meu choro novamente quando encontrei-o e voei para lá para vê-lo, subindo meu olhar pelos seus pés para poder ver seu rosto sem susto. Minha mãe surgiu atrás de mim, correndo não sei de onde, então eu chorei sobre meu avô, debruçando no colo dela, retendo meu choro ainda não sei por que respeito complicado pelas filhas daquele homem que fôra meu avô e que eram minha mãe e minhas tias e tinham perdido muito mais que eu. Minha dor parecia pequena diante delas, pois eu tinha perdido meu avô enquanto elas tinham perdido seu pai. Eu tinha que chorar mas não tinha sossego para chorar de verdade, sem alguém dizendo para não chorar por ele, por ele estar com deus agora. Fiquei por ali, em pé ao lado de meu avô ou sentada perto dele, mas por ali, acariciando seu rosto e tocando suas mãos, beijando sua testa e tocando seus cabelos. Eu olhava para ele com agonia ou com calma, tendo pensamentos tolos de que ele riria se ouvisse o que passava pela minha cabeça. Eu olhava em torno, vendo quem chegava, vendo um aquário grande de decoração, cheio de peixes coloridos que meu avô adoraria ver. Sentei-me um pouco afastada para outra pessoa poder estar mais perto dele e um homem pediu-me para ler seu panfleto, se eu fosse parente, para que eu dissesse se seus escritos estavam corretos. Era um papel de aviso de falecimento. Um testemunho escrito de que meu avô havia falecido. Li chorando e respondi que estava correto. Minha mãe deu-me um terço, que eu nunca soube rezar, para que eu rezasse por meu avô. Ela explicou rapidamente como fazer e eu rezei por meu avô pois não tinha mais nada a fazer por ele além de chorar. Rezei um Pai Nosso porque esta prece fazia parte daquele terço, senão não teria rezado. Eu estava rezando Ave Maria por Ave Maria, chorando e soluçando desesperadamente para ela, pedindo pelo meu avô, pois eu sentia que ela, como mulher, e mais ninguém, mesmo outra mulher, seria quem poderia compreender o que eu sentia. Eu queria rogar para uma mulher por meu avô pois nada adiantaria rogar por ele para um homem, que era deus, de quem eu estava sentindo muita raiva, o que eu não tinha percebido realmente ainda, por haver levado meu avô para longe de mim quando ele poderia tê-lo salvo. Mas deus é coerente com o que promete.

Não saí para longe de meu avô a não ser quando minha avó, seguindo meu pai, seguindo minha tia, precisaram de mim em outro lugar. Sua maneira de trazer-me um pouco de consolo também. Meu pai disse-me mais de uma vez que morte para alguém é um momento supremo de vida para alguém. Eu ouvi respeitosamente sem responder porque não tinha o que dizer diante de uma verdade tão esmagadora. Meu tio-avô, irmão de meu avozinho, estava inconsolável, amparado pelos filhos, chorando e rezando por seu irmão como podia. Choramos abraçados por quem tínhamos perdido, além de por nós mesmos pela saudade terrível. Ouvi um de meus primos dizer que meu avô pedira para minha tia caçula, enquanto eu estava trazendo o que ela precisaria usar, para que ela trouxesse seus bichinhos para ele despedir-se deles. Essa coragem mesclada com aceitação diante de um poder maior mostrada por meu avô cortou meu coração. Eu nunca soube de alguém que olhasse para sua morte de uma forma tão simples e tão sincera, repleta de uma coragem que eu jamais pensei que ele teria e sem nenhum traço de revolta. Senti-me uma menininha pequenininha diante de tal enormidade de tal magnitude enquanto familiares iam chegando e horas iam passando e uma missa miniatura foi celebrada, autorizando-nos a enterrar meu avô, que estava sorrindo em seu esquife, um sorriso que era dele, que eu conheci durante minha vida inteira e reconheceria em qualquer lugar. Toda minha família estava orando por ele naquela missa miniatura, comigo procurando onde ficar para dar espaço a todos sem ficar longe de meu avô. O que eu precisei compreender de mais terrível havia gelado meu coração momentos antes: meu avô era morto e minha avó era viúva. Estaquei pouco depois, ao virar-me para atender minha avó e minha tia: havia um tampo de madeira entalhada para lacrar meu avô em seu esquife quando aquela missa terminasse. Ele iria ser encaminhado para sua última morada, debaixo de terra, para sempre, e então eu nunca mais poderia vê-lo. Minha avó estava chorando àquela hora, não conseguindo mais reter sua dor consigo mesma em seu coraçãozinho, sem aquele a quem amou e com quem viveu por mais de sessenta anos. Eu e minha tia caçula fizemos o que pudemos para ela não sentir mal-estar. Era hora de conduzir meu avô para seu túmulo, para onde ele foi levado por meu irmão e meu primo, com ajuda de dois de meus tios, depois de ser abençoado com água benta pelo padre. Havia muita gente conosco pelo caminho até seu túmulo. Eram muitos familiares e vizinhos, com muitos curiosos misturados entre nós, que souberam calar qualquer comentário que não devesse ser feito ao menos, evitando que houvesse qualquer ofensa em um momento de tanta tristeza. Olhei de frente para meu avô, como fazia sempre, para despedir-me dele mais uma vez e pela última vez, após minha avó, minha mãe, minhas tias terem feito sua despedida quando seu esquife foi reaberto. Nunca esquecerei o que minha mãe disse para meu avô: "até um dia, pai !" Eu estava calma e feliz por haver cuidado de meu avô em sua morte como eu pude fazer, assim como cuidei dele em sua vida como foi-me permitido ou possível. Mas saí dali com minha alma esmagada porque todos voltariam para casa, menos ele, que adorava tanto estar em família. Eu tinha olhado por ele em seu velório para ter certeza de que estava bem agasalhado com seu terno para não sentir frio e bem coberto com seu manto de flores para não sentir calor, lembrando-me em seguida que calor e frio não significariam nada para meu avô agora pois o que fazia seu corpo participar desta vida não estava mais ali e não estava mais conosco.

Saí dali com minha alma esmagada mesmo assim porque eu não poderia ter meu avô comigo e conosco até minha vida terminar. Senti isto como uma injustiça enorme contra meu avô porque ele era e estava tão vivo para mim em meu coração e em meu pensamento como ele foi sempre, então eu não podia compreendê-lo morto pois ele nunca esteve morto para mim, mesmo agora, quando deixei seu corpo naquele cemitério e naquele túmulo sabendo que seu espírito partiu para outro lugar. Sua carne e seu corpo eram meu avô também e eram o que tornava possível que eu pudesse abraçá-lo e beijá-lo, carinhando-o toda vez que ele quisesse ou que eu quisesse. Senti-me traída por deus por obrigar-me a deixar para trás dentro de uma pedra cinza, debaixo de terra, entre madeiras, aquele que amou-me pela minha vida inteira sem condição e sem restrição, nunca impondo sua vontade sobre mim, mesmo sentindo-se contrariado uma vez, e pedindo que eu não ficasse brava com ele quando ele conversava comigo seriamente pelas suas preocupações de avô para comigo para que não houvesse mal entre nós. Não tenho mais raiva de deus agora, embora esteja chorando neste momento pelo avô que ele alçou, pelo que espero que ele atenda meu pedido quanto ao meu avô, que encerra uma responsabilidade que tomei para mim que eu não transferirei a ninguém, além de não permitir que ela seja tirada de mim por quem quer que seja. Tenho visitado meu avô em seu túmulo diariamente desde sua morte, rezando pelo seu espírito e velando pelo seu corpo, o que tornou-se minha maneira de viver meu luto por ele. Fiz muito pelo luto por alguém que não merecia e não precisava anos atrás então não existiria razão para que eu fizesse menos pelo meu avô, com uma morte caprichosa e impiedosa abatendo-se implacável sobre ele, de acordo com meus pensamentos quando eu olhei para ele quando tudo aconteceu. Mas não tinha sido assim. O que fez com que fosse fácil para mim deixar de sentir raiva de deus. Eu esperava que meu avô falecesse em casa, calmo em seu sono, sem sofrimento. Era o que estava acontecendo desde nosso almoço daquele sábado distante, quando meu avô disse para mim que não estava sentindo-se à vontade para comer bastante. Seu corpo estava entrando em óbito, preparando-se para deixar de ser, sem dor, o que eu não percebi, mesmo tendo estudado a respeito e feito um estágio em um hospital. Ele não faleceu em sua cama em sua casa como eu esperava, pelo socorro médico que eu mesma fiz questão de chamar para ele, mas faleceu calmo, com sono cada vez maior, sem dor alguma por seu corpo, sem responder aos esforços médicos por sua vida estar em seu fim, partindo sorrindo, vendo seus ancestrais mortos à sua espera, o que foi trazido em sonho para um de meus primos, antes que ele soubesse que meu avô havia falecido. Sou grata a deus por ter atendido meu pedido, alçando meu avô suavemente para junto de si, e tenho muita saudade daquele que quis e veio despedir-se de mim, raivosa e silenciosa em meu sono em sua cama, em seu quarto, deitada junto de minha avó, na noite daquela segunda-feira terrível em que meu avô faleceu. Eu não estava conseguindo dormir sossegadamente, preocupada com minha avó em seu sono, e isto fez com que eu ouvisse e visse o que estava reservado para mim naquela noite: meu avô veio dizer-nos ciao. Um abajur ao meu lado foi aceso por si próprio tão logo seu cãozinho latiu e silenciou, olhando pra porta, às 21:30, horário em que meu avô costumava vir para seu quarto. "Vovô ?" - chamei. Não houve resposta mas eu senti calma como não havia sentido ainda, embora sentisse raiva de deus ainda por haver levado meu avô, e então pude dormir finalmente.

Meu avô veio visitar sua esposa, sua filha caçula, sua neta primogênita, além de seus bichinhos, antes de partir enfim. Um clarão inexplicável de luz azul foi visto por meu pai, em casa, em nossa escada, perto de seu quarto, naquela noite. Pelo que acredito que meu avô visitou cada uma de suas filhas e de seus genros, bem como seus bisnetos depois de seus netos, além de seus irmãos e de seus sobrinhos, antes de ir para sua morada final pelos céus. Visitou cada pessoa de sua família rapidamente para dizer-nos adeus, nessa ida ao além que é-nos dada uma vez em nossas vidas, quando tempo não age mais sobre nós como conhecemos em vida. E então foi ter com seus ancestrais mortos e com todos aqueles de sua família que partiram desta terra e desta vida antes dele, encontrando-os com alegria, como aquele sonho de meu primo mostrara e aquele sorriso de meu avô revelara. Que você esteja com deus pelos céus, meu avô, livre de qualquer mal e de qualquer sofrimento eternamente.

Tem sido muito doloroso para mim referir-me ao meu avô em tempo passado porque ele continua vivo em meu coração e em meu pensamento como era quando estava conosco, como se ele estivesse conosco ainda agora. Fui pêga por mim mesma olhando para sua sacada, esperando vê-lo ali, olhando sua rua e vendo quem ia e vinha, saudando sua filha ou sua neta quando uma de nós chegava à sua casa. Eu havia encontrado meu avô várias vezes em seu portão, brincando com seus gatinhos ou conversando com sua irmã. Sua cadeira continua ali, embora tenha mudado de lugar, assim como outras de suas coisas mudaram de lugar, muitas delas para muito longe ao serem doadas para caridade, obra de minha mãe e de minhas tias para cuidar de pertences de meu avô, em seu processo de luto, poupando minha avó dessa tarefa. Seu quarto e sua saleta foram inspecionados completamente por elas e nada ficou em seu lugar como era quando ele estava conosco. Isso foi uma tristeza gelada para mim.

Uma rosa branca, ainda em botão, foi oferecida a mim por um rapaz de igreja quando eu estava passando pela calçada uma vez, no dia seguinte ao falecimento e ao funeral de meu avô. Eu pensei que fosse pela data de março, quando mulheres costumam receber rosas de estranhos, mas aquela rosa tinha outro propósito. Eu deveria colocar cada um de meus pecados, em minhas aflições, sobre ela para que tudo fosse perdoado quando aquela rosa fosse levada de volta à igreja por mim para ser queimada em sacrifício pelas minhas faltas. Muito poético, mas eu achei de uma injustiça muito grande para com aquela rosa branca inocente. Aceitei aquela flor, mas dei-lhe outro propósito em meu coração. Ela estava murchando, mesmo ainda em botão, sem ter qualquer condição de florescer. Borrifei-lhe água e mantive minha rosa comigo até ser hora de ir ao cemitério para oferecê-la ao meu avô quando fosse visitá-lo. Eu não havia deixado flor alguma com ele. Dei-lhe minha rosa, com meus beijos e não com meus pecados.

Pareceu-me muito mais certo deixar que aquela rosa fenecesse ao sol, como presente para meu avô, em seu túmulo, queimando-se aos pouquinhos, mesclada com outras flores deixadas ali, como aconteceria, em tempo mais longo, se ela estivesse em um jardim, ao invés de ser queimada por minha causa pelo que não era de sua culpa. Eu não poderia fazer melhor por ela. Então deixei minha rosa branca em botão, com meus beijos, que ia depositando sobre ela pelo caminho, enquanto pensava em meu avô. Foram onze beijos, dados casualmente, uma conta importante para mim, pois indicava um número mestre, de proximidade muito estreita comigo, inclusive pelo meu aniversário. Fiquei impressionada com isto, quando percebi o que tinha acontecido. Meu avô foi para mim o que um avô deve ser para seus netos: meu pai maior. Ele foi meu padrinho de batismo. Ele foi meu padrinho de formatura. Ele foi meu pai quando meu pai não estava presente. Eu não esperava que ele partisse agora, dessa maneira, tão cedo.

Tenho um trato com deus, feito a partir de minha visita ao meu avô em seu túmulo, que tenho visitado diariamente desde que meu avô faleceu. Eu estou mantendo minha palavra e tenho confiado que o que pedi será atendido, mesmo que eu não compreenda sua conseqüência, não compreenda sua extensão, não compreenda seu significado, mas sua enormidade e sua profundidade eu posso pressentir. Não ter meu avô conosco tem continuado a ser uma sensação de impossível e inacreditável, com seu peso enorme de perda. Eu tive meu avô comigo por quase trinta e cinco anos, mas não pude ouvi-lo ser aquele que viria cumprimentar-me primeiro, com sua brincadeira e seu sorriso, pelo meu aniversário este ano. Eu tinha uma sensação de eternidade quanto ao meu avô, como se ele fosse estar comigo para sempre, como estivera sempre, mas ele não pôde completar seus oitenta e três anos de vida conosco. Faltava tão pouco mas ele foi levado antes e quis partir antes, com um sorriso maravilhoso em seu rosto.

Uma perda irreparável, produzindo uma falta imensa. Sua esposa, sua filha caçula, seu irmão caçula têm mostrado essa falta para mim de várias maneiras, quando lembramos dele, sentindo falta de sua presença para partilhar momentos conosco. Estive esperando vê-lo entrar pela cozinha, vindo pelo corredor com seus passos mansos. Uma espera vã. Pensei tê-lo ouvido ao ouvir uma voz parecida. Pensei tê-lo visto ao ver uma cabeleira branca parecida. Ver senhores com camisas parecidas, em cor e modelo, às que ele usava, de relance, tem feito com que eu esperasse encontrar com ele pela rua como acontecia antes. Não mais. Nunca mais. Meu avô já não pertence à terra. Meu avô já não pertence à vida. Este ano tem de acabar logo. Tem sido um ano de muita severidade, trabalhoso de enfrentar. Mas severidade alguma foi pior que ver meu avô morto, sendo cuidado para ser sepultado. Meu velhinho era muito precioso para mim e nada poderá suprir esta falta. Tenho esperado poder vê-lo em meus sonhos ao menos.

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