Casa de Sil de Polaris

Porque não se fica velho duas vezes !!!

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Local: Brazil

Eu sou proprietária dessa casinha magnífica que tem sofrido reformas ... ^^

segunda-feira, 11 de outubro de 2004

Foram dias corridos nessa semana passada. Tive conversas interessantes com meu avô e meu pai apesar dessa correria. Há uma diferença mínima de idade entre eles. Meu avô é octogenário e meu pai é septuagenário. Ambos gostam de conversar bastante mas isto tem sido um pouco complicado porque ambos estão ensurdecendo, cada qual com seu diagnóstico. Procuram-me e procuram-se para conversar toda vez que surge oportunidade.

Meu avô fala de sua infância de trabalho braçal na roça, tudo o que havia sobrado de sua herança de fazendas de café e gado, mas mesmo isto não pertence mais a ele, pois seu pai, ainda vivo antes de meu avô casar, vendeu este restante, muito prejudicado pela crise cafeeira, complicada pela queda da bolsa de valores em 1929. Tudo foi sendo vendido nos anos posteriores. Meu avô caçava, nadava, pescava e tocava violão nas noites de desafio e festança nos sítios.

Ele tem lembranças caríssimas de suas caçadas de preá e tatuzinho, com seu cão de caça pelo matagal das barrancas. Lembrava-se de seus encontros com minha avó, na casa dela, quando ela esperava por ele na janela e ele recebia um beijo no rosto quando chegava. Ele não se conforma sobre mulheres irem ao encontro de seus homens atualmente. Não acha recatado e romântico. Quebra o encanto do namoro para ele, como se a princessa viesse sobre o cavalo branco e não o príncipe.

Um de seus arroubos de indignação quando comentava sobre essa mudança de costumes fez com que ele se descuidasse de seus segredos e eu soube de suas artes quando ele era jovem, casado ou noivo de minha avó, mas tendo suas aventuras extra-conjugais uma vez ou outra com amantes ocasionais que encontrasse quando uma situação permitisse. Fiquei surpresa pois nunca imaginei que meu avô pudesse ter sido um traidor domjuanesco, mas sorri com a espontaneidade da confissão inoportuna.

Tadinho, ficou muito sem jeito ! ^^

Meu pai costuma contar sobre suas aventuras de menino, serviço de quartel, trabalho como professor. Ouvi muitas e muitas vezes sobre seu jogo de bola quando garoto. Duas coisas de que ele lembra desse tempo são marcantes: o arame farpado que entrou por debaixo de sua unha quando chutara sua bola descalço e o goleiro preferido da turma de sua cidade que era o ás da trave e fazia coisas impossíveis para defender seu gol. A bola era um limão. O goleiro era inacreditável.

O que ele mais conta de sua época de quartel tem a ver com suas montadas de guarda à noite na guarita e com as mortes tenebrosas que aconteceram em acidentes infelizes de manobra ou de soldados bêbados em fim de semana. Ele odiava receber ordens de seus superiores mas fazia todo possível para não encrencar-se com eles para não ter problemas no quartel e poder fazer suas provas de grupo, como se falava naquela época, pois não deixou de estudar para servir.

Formou-se professor e viajou bastante pelo país, por dois ou três estados, para chegar às cidades interioranas para onde era designado para dar aulas. Contava com orgulho e saudade, até mesmo uma admiração permanente e uma surpresa persistente, como um professor era tratado naquela época, respeitado por ser visto como aquele que faz seu máximo para levar conhecimento aos filhos e netos de todos. Foram viagens em todo tipo de transporte para chegar às escolas.

Tem de que ter orgulho nessa vida de trabalho didático.

Ambos ficam emocionados e saudosos quando recordam suas vidas, contando suas histórias para mim. Vejo seus olhinhos marejando de lágrimas, que não deixam rolar, pela lembrança de uma época feliz e repleta de trabalho, quando suas profissões de agricultor e professor eram respeitadas de uma maneira que não tem par nos dias atuais. Continuo recebendo ecos e ondas de tudo que fizeram em suas vidas. Eu não existiria se eles não tivessem feito tudo como fizeram.

Meus dois velhinhos estão dormindo à essa hora em camas quentinhas.

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